quarta-feira, 8 de julho de 2015


A Casa Rodovalho

Não é de hoje que morrer na capital paulista é um transtorno para quem irá sepultar seus entes queridos. Hoje, não é raro vermos toda sorte de “caixinhas” sendo cobradas aos familiares dos falecidos no momento de maior dor, como na súbita necessidade de alargar a sepultura para passar o caixão fora de medida, ou no assédio de pedreiros que atuam livremente nas necrópoles da cidade. No passado a coisa era um pouco diferente, mas não menos complicada.
Nota em jornal 1897
Nota em jornal 1897
Em 1828, o Imperador dom Pedro I promulgou a Lei Régia de 1 de Outubro de 1828, que proibia sepultamentos nas igrejas – regra até então – e que deixava os templos religiosos com um cheio insuportável de cadáveres em decomposição.
Esta lei prejudicou um pouco a arrecadação das paróquias, que recebiam doações dos fiéis para terem seus corpos enterrados nas igrejas. Quanto maior o donativo, mais próximo do altar a pessoa era sepultada.
Com o surgimento dos cemitérios em São Paulo, como o de Santo Amaro e da Consolação, surgiu também a necessidade de novos velórios e serviços, transporte de mortos etc. Todos esses trabalhos passaram a ser prestados pela Santa Casa de Misericórdia (Santa Casa de Saúde de São Paulo) que teve o monopólio acertado inicialmente até dezembro de 1899 (vide recorte acima).
Cemitério da Consolação no final do século 19
Cemitério da Consolação no final do século 19
No final da década de 1890, com a eminente finalização do monopólio da Santa Casa nos funerais, algumas empresas privadas já começaram a surgir para explorar este futuro nicho de negócio que, tudo indicava, seria aberto a todos os interessados mediante regulamentação (no passado alguns piratas atuavam e eram punidos pela prefeitura).
Foi ai que surgiu uma das maiores empresas paulistanas do ramo de aluguel de carroças e carruagens para sepultamentos e ornamentos de sepulturas: A Casa Rodovalho.
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Primeira grande loja do ramo a se estabelecer legalmente em São Paulo, a Casa Rodovalho era localizada no antigo número 1 da rua São Bento, nas imediações do Largo São Francisco, em um suntuoso prédio de dois andares de esquina, que já não existe mais.
Acervo São Paulo Antiga
Rodovalho Jr
A empresa, que era oficialmente conhecida como Rodovalho Jr, Horta & Cia, era comandada pelo seu principal proprietário, Antonio Proost Rodovalho Júnior.
Conhecido mais como Rodovalho Jr, ele era filho do famoso Coronel Rodovalho, ilustre paulistano e um dos fundadores da atual Associação Comercial de São Paulo.
Apesar de dedicar-se bastante as atividades funerárias em conjunto com a Santa Casa, que a eles terceirizava os serviços, a Casa Rodovalho era bem conhecida em São Paulo por também prestar serviços de táxi, com sua frota própria e time de motoristas (à época chaffeurs) bem treinados, além de serviços de construção de carroças e carruagens, que eram feitas em outra unidades da empresa, na rua da Mooca.
SERVIÇOS POLÊMICOS:
A polêmica foi algo que marcou o serviço funerário paulistano desde o final do século 19 até, pelo menos, o ano de 1918, quando a gripe espanhola levou a prefeitura a intervir pra valer no serviço.
Por isso, a extensão do monopólio da Santa Casa nos sepultamentos, inicialmente prolongada até 1911, causava indignação a quem queria entrar no ramo funerário, já que ela só terceirizava seus serviços para a Casa Rodovalho. Vejam este anúncio anônimo publicado em 1900 no jornal Correio Paulistano:
Divulgação
Isso evidentemente não foi um problema para a Casa Rodovalho, que além de seus serviços de carruagem e táxi, lucrava com sua generosa parceria com a Santa Casa, onde cuidava especificamente dos paramentos, importação de coroas de flores e também do traslado dos corpos, de velórios para os cemitérios da cidade.
Se você se deparasse com um cortejo fúnebre em São Paulo nos primeiros anos do século 20, a imagem seria assim:
Cortejo fúnebre no Bom Retiro em 1916 (clique na foto para ampliar)
Cortejo fúnebre no Bom Retiro em 1916 (clique na foto para ampliar)
A CASA RODOVALHO:
Especializada em transporte funerário e também no serviço de táxis em São Paulo, a Casa Rodovalho era uma empresa bastante próspera. Tinha suas próprias oficinas no bairro da Mooca, onde produzia suas carroças e carruagens funerárias para uso próprio e venda para outras cidades, além de serviço de manutenção e mecânica, com seu maquinário movido a vapor.
Oficina da Casa Rodovalho, na Mooca (clique para ampliar)
Oficina da Casa Rodovalho, na Mooca (clique para ampliar)
Frota de carros fúnebres da Casa Rodovalho (clique para ampliar)
Frota de carros fúnebres da Casa Rodovalho (clique para ampliar)
Na sede da empresa, na rua São Bento, ficavam os escritórios administrativos e também a loja, no térreo, onde eram vendidos desde ornamentos a coroa de flores nacionais e importadas.
A foto abaixo, dá uma dimensão de como era o interior da Casa Rodovalho:
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Coube a Casa Rodovalho, em 1918, um recorde na cidade de São Paulo que creio até hoje não ter sido alcançado. Neste ano, auge da gripe espanhola na capital, a empresa chegou a organizar 600 funerais na capital em um único dia.
O caos causado pela gripe espanhola naquele ano foi tão grande, que levou a prefeitura a baixar um decreto tabelando os preços dos funerais, proibindo seguir o féretro à pé e restringindo os funerais apenas a familiares (veja o decreto no final do artigo).
FROTAS DE TÁXI E CARRUAGENS:
Embora a Casa Rodovalho não tenha sido a primeiríssima no serviço de táxis em São Paulo, a empresa foi uma das pioneiras por aqui a ter uma frota de veículos a disposição de clientes.
Garagem da Casa Rodovalho (clique para ampliar)
Garagem da Casa Rodovalho (clique para ampliar)
Era aproximadamente duas dezenas de automóveis e outras duas dezenas de carruagens, que atendiam a população paulistana, especialmente a elite e políticos. Era até possível chamar um táxi por telefone, discando “3”, que era o número que atendia tanto a Casa Rodovalho, como sua garagem, que ficava na rua Amaral Gurgel.
Os carros a disposição eram das mais variadas marcas, entre elas Reo, Renault, Fiat e Hupmobile.
Carruagens da Casa Rodovalho (clique para ampliar)
Carruagens da Casa Rodovalho (clique para ampliar)
A Casa Rodovalho permaneceria no serviço funerário ainda por algumas décadas, bem como também no serviço de táxis.
ANEXO:
Abaixo, o decreto de 1918 que tabelava os sepultamentos e implementava mudanças provisórias nos sepultamentos da cidade de São Paulo, por ordem do então prefeito Washington Luís:
Correio Paulistano

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