A paisagem urbana de São Paulo está sempre em constante mudança. Esta transformação contínua deixa marcas na cidade que dificilmente são superadas, especialmente pela perda de construções de grande valor arquitetônico.
A bela imagem abaixo, do centro velho de São Paulo, é um exemplo bem prático disso:
Se alguém observar esta foto na internet ou mesmo em um postal sem qualquer referência de onde esta rua está localizada, muito provavelmente a pessoa pode pensar que trata-se de uma foto de Paris, Viena ou qualquer cidade europeia. O espanto se dá quando constatamos que a imagem é da rua Líbero Badaró em 1920.
Dois destes prédios pertenceram ao Conde de Prates e foram construídos conjuntamente em 1911 o que deu a ambos, pelos paulistanos, o apelido de palacetes gêmeos. O projeto dos palacetes e a execução das obras ficaram a cargo dos engenheiros Samuel das Neves e seu filho Cristiano Stockler das Neves, este último o mesmo que projetou a Estação Sorocabana, atualmente Estação Júlio Prestes e Sala São Paulo.
Uma vez inaugurados, eles se transformaram em ponto de encontro e de trabalho da elite paulistana, como o próprio Conde Prates, Macedo Soares entre outros.
No prédio da esquerda (foto anterior) o local foi por muito tempo a Câmara Municipal de São Paulo e também a Prefeitura de São Paulo, que em 1951 mudou-se do edifício deixando a câmara ocupando o prédio inteiro. Nesta época o imóvel foi rebatizado como Palacete Anchieta.
Já o outro, mais próximo do Viaduto do Chá e da Praça do Patriarca, foi sede de um dos mais elegantes e famosos clubes da cidade, o Automóvel Club de São Paulo. Em 1921 o Palacete Prates recepcionou e hospedou o então presidente do Brasil, Epitácio Pessoa, que chegou em São Paulo com grande pompa e honrarias.
Toda elegância e importância de ambos os edifícios não foram suficientes para que fossem preservados. O grande boom do mercado imobiliário e da construção civil que atingiu São Paulo na segunda metade da década de 40 e por toda a década de 50, trataria de abreviar a vida dos palacetes.
Exatos 40 anos depois de ser erguido, o Palacete Prates (o mais próximo ao Viaduto do Chá) seria vendido e demolido, sendo o primeiro a sucumbir. Com a demolição já preparada para começar no final de 1951, começava a ser veiculada nos jornais paulistas o anúncio do que seria erguido no local:
Sua demolição foi um demorada para os padrões atuais, e só foi concluída em meados de 1952. Sai de cena um marco do início do século 20 para dar lugar a então um dos mais modernos prédios da cidade, que seria batizado de Edifício Conde de Prates. A imagem abaixo, mostra a área do palacete em fase final de demolição.
Na época em que desapareceu o Palacete Prates até houve um certa debate acerca do fim do imóvel, mas ela foi muito branda e não foi suficiente para fazê-lo ser preservado. A discussão sobre o que era patrimônio histórico ou não em São Paulo ainda demoraria longos anos para ser posta em prática pra valer. Hoje em dia talvez fosse muito difícil demoli-lo.
O novíssimo Edifício Conde de Prates levaria cerca de quatro anos para ser construído. A conclusão das obras e inauguração do arranha-céu ocorreu em 1956.
Moderno e arrojado para o padrão daquela época sua abertura foi um grande evento na cidade, contando com festa de inauguração e benção feita por um padre. Na noite de 9 de julho, data de sua inauguração, o prédio permaneceu totalmente iluminado.
O segundo palacete ainda sobreviveria alguns anos mais, sendo desapropriado e demolido em 1959. Mas não sem fazer a Câmara Municipal de São Paulo, que depois de ter deixado o prédio entre 1936 e 1947 voltou ao imóvel, passasse um vexame.
Os dois palacetes foram vendidos no mesmo ano, em 1951. Enquanto um deles foi rapidamente desocupado e demolido no mesmo ano o outro, que abrigava a câmara, foi palco de uma longa novela.
Adquiro pelo Banco Mercantil de São Paulo, o imóvel deveria ser desocupado pelo poder legislativo da cidade até o término do ano de 1952. Era tempo suficiente para procurar outro imóvel para se alojar.
Entretanto não parecia haver pressa nem mesmo preocupação por conta dos vereadores paulistanos e a novela foi se arrastando por anos, até 1958, quando o banco decidiu entrar na justiça pedindo o despejo da Câmara Municipal.
A ação foi julgada pela justiça e alvo de muitos recursos, até que em julho de 1959 saiu a vexatória sentença de despejo para a Câmara Municipal:
Para evitar este episódio vergonhoso para a história da mais antiga instituição política de São Paulo, a câmara mudou-se para outro lugar rapidamente, enquanto iniciava os estudos para a construção de uma sede própria. O Palácio Anchieta, no Viaduto Jacareí, só seria inaugurado 10 anos mais tarde, em 1969.
Uma vez desocupado pelos vereadores o palacete foi rapidamente demolido, dando lugar para o Edifício Mercantil Finasa que está ali até hoje.
Quem observa atualmente a rua Líbero Badaró a partir do Viaduto do Chá, vê uma paisagem completamente diferente daquela vista pelos paulistanos um século atrás:
Na foto acima estão, da esquerda para a direita, os edifícios Grande São Paulo, Mercantil Finasa e Conde de Prates. Entre estes dois últimos é possível observar o Edifício Sampaio Moreira, este que um dia foi o prédio mais alto de São Paulo. Quanta diferença!
Saiba mais:
Eduardo da Silva Prates, o Conde de Prates, nasceu em 1860 na capital paulista. Foi um dos grandes vultos paulistas do final do século 19 e início do século 20.
Empresário voltado aos ramos financeiro, imobiliário e ferroviário, Prates herdou em 1893 a Fazenda Santa Gertrudes, uma das mais importantes produtoras de café no estado. O empresário viu-se neste momento como também um importante cafeicultor.
Sua residência, conhecida como Palacete do Conde Prates, ficava na Alameda dos Bambus (atual avenida Rio Branco) esquina com a alameda Ribeiro da Silba. Sua residência era grandiosa e estendia-se até a rua Guaianases, onde hoje é uma concessionária da Volkswagen. O Conde Prates faleceu em 1928.
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