quarta-feira, 8 de julho de 2015



Caminhos de São Paulo – Avenida Conceição

Em uma cidade com mais de 4 séculos como São Paulo, é natural que existam inúmeros caminhos antigos para se chegar aos mais diferentes destinos, como bairros mais distantes, velhos cursos de rio, cemitérios antigos ou mesmo cidades vizinhas.
Havia no passado de São Paulo estradas e trilhas para todo tipo de função, como deslocamento de tropas, caminhos indígenas (peabiru) ou até mesmo para escoamento de ouro, garimpado em Guarulhos.
E justamente este vizinho da capital, o município de Guarulhos, cuja ligação com São Paulo perde-se no tempo, é que existe um caminho muito antigo, de possivelmente algumas centenas de anos e que poucos sabem a história: a Estrada da Conceição.
Mapa de 1929 - Sara Brasil (divisa SP-Guarulhos no círculo) - clique para ampliar
Mapa de 1929 – Sara Brasil (divisa SP-Guarulhos no círculo) – clique para ampliar
O mapa acima, do início do século 20, mostra o traçado completo da antiga Estrada da Conceição, que ligava a região norte da cidade de São Paulo (Santana, Vila Guilherme e Vila Maria) ao município vizinho de Guarulhos.
O mapa é bem diferente do atual pois um grande número de bairros da zona norte da cidade ainda não haviam sido loteados, como Parque Novo Mundo e Jardim Japão, não existiam também a rodovia Presidente Dutra, a avenida Paulo Freire e nem mesmo o rio Tietê tinha sido retificado. O círculo vermelho, indica o local exato onde era possível, pela estrada da Conceição passar de São Paulo para Guarulhos.
Já o mapa abaixo, mostra o mesmo local atualmente:
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O círculo vermelho mostra a mesma localidade do mapa antigo. Já a linha de cor preta mostra o traçado, hoje suprimido, da antiga estrada da Conceição, que caiu em desuso com novos caminhos .
Vários motivos colaboraram para o fim desta via, como principal acesso a Guarulhos vindo de São Paulo ou vice-versa. A crescente urbanização do Parque Novo Mundo e Jardim Japão, as melhorias na ligação com a Penha (Avenidas Gabriela Mistral e Guarulhos) são algumas.
Os dois maiores contribuintes para o fim deste caminho direto entre as duas cidades foram a abertura em 1951 da Rodovia Presidente Dutra (e sua duplicação em 1967), que cortou a velha estrada da Conceição e tornou sua travessia perigosa. E também o fim do Trem da Cantareira, em 1965, que abriu novas e largas avenidas ligando os dois municípios nas regiões de Vila Galvão (Guarulhos) e Tucuruvi (São Paulo).
Assim, perdeu-se o sentido em chamar a via de “estrada”, e em meados da década de 70 foi renomeada pela prefeitura paulistana para avenida Conceição. No lado de Guarulhos, o que se chamava estrada de Santana mudou para avenida Santana.
A ORIGEM DO NOME “CONCEIÇÃO”:
Muitas pessoas podem se perguntar ao ver o nome Conceição, tanto como estrada ou avenida e se perguntarem. Mas quem é esta Conceição que dá nome a este caminho tão antigo ?
Bem, para surpresa talvez de muitos, o nome não é referência a uma mulher, mas sim ao município de Guarulhos, que no passado tinha um nome um pouco diferente do atual, como se pode observar neste mapa abaixo, do século 18:
Recorte de mapa de 1766
Observem no mapa um ponto com o nome “Conceição”. Este nome é como era escrito nos mapas antigos a cidade de Guarulhos, então uma vila. O nome completo era Villa da Conceição dos Guarulhos, em alusão a padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição (dos Guarulhos), que é até hoje dá nome a igreja matriz guarulhense.
Na imagem abaixo, uma trecho de uma ata da câmara municipal de Guarulhos feita em 1905, que mostra o antigo nome:
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O nome era uma referência a ligação de São Paulo até Guarulhos, então mais chamada de Conceição. Por isso, surgiu o nome de Estrada para Conceição, depois modificada para Estrada da Conceição e, mais recentemente, avenida Conceição.
Com o tempo, os nomes cristãos das cidades foram em grande parte caindo em desuso. Foi assim que São Sebastião do Rio de Janeiro virou apenas Rio de Janeiro e Conceição dos Guarulhos virou apenas Guarulhos. Curiosamente, a capital paulista foi pelo caminho inverso e a antiga São Paulo de Piratininga perdeu o Piratininga e manteve apenas o nome cristão.
Sem toda este explicação, fica muito difícil ao cidadão comum saber a origem no nome da atual avenida Conceição, não é mesmo ?
REVIVER A VELHA ESTRADA DA CONCEIÇÃO HOJE EM DIA É POSSÍVEL ?
Se você está se fazendo esta pergunta, saiba que nós do São Paulo Antiga também fizemos esta mesma questão várias vezes. Seria possível ir da Vila Guilherme até Guarulhos seguindo apenas o caminho da antiga estrada ?
Para responder a esta questão, decidimos fazer o trajeto antigo original em grande estilo. Utilizamos um mapa de São Paulo de 1930 e um carro de 1929. Assim, teríamos ao mesmo tempo nossa resposta e uma divertida viagem simbólica no tempo.
Convidamos vocês leitores a viajarem conosco pela antiga Estrada da Conceição pelos caminhos atuais e descobrirem se é possível ou não chegar até Guarulhos por ela. Vamos lá ?
Caso você não tenha como ver o vídeo, colocamos abaixo algumas fotografias explicações do percurso:
1 – A pista acabou:
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Seguindo da Vila Guilherme, acabamos a primeira parte da viagem no Jardim Japão à beira da via Dutra. Este trecho do antigo caminho para Guarulhos atualmente chama-se rua Cabo João Fagundes Machado. Para seguir pelo caminho original, apenas pegando a passarela de pedestres que passa sobre a via Dutra e dá acesso ao outro lado.
2 – O fim da linha (ou melhor, da rua):
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Após darmos a volta por baixo da via Dutra e pelo Parque Novo Mundo, o caminho agora procede no trecho da antiga Estrada da Conceição que hoje atende pelo nome de rua Sargento Rodoval Cabral Trindade.A rua faz homenagem a um veterano da FEB e se não fosse pelos últimos metros da rua, que não foi rebatizada, seria muito difícil saber que ali é um trecho do antigo caminho.
Com todo respeito ao novo homenageado, mudar nome de rua é apagar o passado
No mapa acima, o trecho de pouco mais de 50 metros com o nome original
O fim do asfalto (foto acima) onde o Ford Modelo A 1929 está parado e o trecho seguinte em terra é o que resta nomeado como Estrada de Santana. Certamente hoje a mais curta estrada de São Paulo e a única que dá em lugar nenhum, uma vez que após a curva no trecho de terra, chega-se a um portão de uma propriedade particular.
3 – O lado de Guarulhos
Placa no município de Guarulhos (clique na foto para ampliar)
Placa no município de Guarulhos (clique na foto para ampliar)
O lado Guarulhense hoje começa alguns metros adiante da placa acima. Aos olhos e ouvidos de hoje, não faz nenhum sentido o local chamar-se Avenida Santana. Isso porque ela atualmente é uma avenida de quase 2 quilômetros que liga um muro a outro.
No passado, através de uma ponte sobre o Rio Cabuçú de Cima era possível seguir por esta avenida e cruzar para o lado de São Paulo que ainda se chama Estrada de Santana. Se você tentar fazer isso hoje vai se deparar com o cenário abaixo:
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Não está claro se o trecho final da Avenida Santana em Guarulhos é uma propriedade particular ou pública(notem os postes de energia), mas os últimos 200 metros são isolados do público. Segundo um morador que reside quase em frente a este portão da foto, a área foi fechada pela empresa de energia há anos atrás.
4 – Os últimos 1.400 metros:
vista parcial da Avenida Santana, em Guarulhos (clique na foto para ampliar)
Vista parcial da Avenida Santana, em Guarulhos (clique na foto para ampliar)
Do portão da foto que vimos a pouco até o final da avenida Santana, são aproximadamente 1400 metros de uma via sinuosa e em subida até a Estrada Velha do Cabuçu, hoje uma rua de não mais que 200 metros.
Pelo caminho é possível observar casas muito antigas, cujo estilo de construção remete ao início do século 20:
exemplo de casario antigo da avenida Santana (clique na foto para ampliar)
exemplo de casario antigo da avenida Santana (clique na foto para ampliar)
Pelo trajeto final da longa jornada São Paulo-Guarulhos, é possível notar cerca de uma dezena de casas centenárias, boa parte delas com uma ou outra alteração, mas que fazem referência forte ao passado deste importante caminho antigo.
A da foto acima, é aquela típica construção residencial abaixo do nível da rua, erguida em uma época que o concreto não era acessível ao construtor pequeno. O concreto surgiu no Brasil em 1904 mas popularizou-se mesmo a partir do final da década de 20 e início dos anos 1930.
E assim terminou nossa jornada entre as duas cidades. Recomendamos que assista ao vídeo para uma melhor compreensão geográfica de nossas explicações.
CONCLUSÃO:
clique na foto para ampliar
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Não é possível deter o progresso, mas é possível deter a voracidade de nomear logradouros que existe entre os vereadores paulistanos. Muitos trechos que hoje não fazem referência a velha estrada são homenagens a outras pessoas que não possuem qualquer ligação com a história nem da via nem da região.
Mesmo que os novos nomes sejam de pessoas ilustres que mereçam a homenagem, é necessário que se pare com mudanças de nome que acabam muitas vezes por apagar partes importantes de nossa história.
O São Paulo Antiga defende a ideia que nome de ruas e logradouros em geral (avenidas, praças, viadutos etc)sejam feitos por uma comissão de historiadores e ligados a Secretaria Municipal de Cultura. E mesmo assim, que jamais seja retirado o nome de alguém seja lá quem for. A história está ai para ser contada e não para ser esquecida.
Nosso próximo “Caminhos de São Paulo” será também na Zona Norte: A rua do Imperador.
Você tem alguma sugestão de caminho, rua ou avenida paulistana que deseja conhecer melhor ? Deixe o endereço ai nos comentários.

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