quarta-feira, 8 de julho de 2015


Monumento a Olavo Bilac

Quando se ouve por ai que o Brasil é um país que despreza sua históra e o culto à memória de seus antepassados ilustres, pode parecer que há um certo exagero. Entretanto, isso nada mais é que uma triste constatação de como lidamos com a cultura em nosso país.
Olavo Bilac - Divulgação
Vamos tomar como exemplo o caso do célebre jornalista e poeta brasileiro Olavo Bilac (foto ao lado).
Um dos grandes nomes da cultura brasileira entre o final do século 19 e início do século 20, Olavo Bilac foi bastante conhecido pelas suas poesias, pelos contos e crônicas, além da literatura infantil. Divulgador e propagador do civismo no Brasil, foi o criador da letra do nosso Hino à Bandeira, além de defensor do serviço militar obrigatório.
Seu trabalho com a poesia rendeu, em 1907, o título de “Príncipe dos poetas brasileiros”, atribuído pela extinta revista Fon-Fon. Além de autor de alguns dos mais conhecidos e populares poemas nacionais, Bilac é considerado nosso mais importante poeta parnasianista.
Ao falecer em 1918, Olavo Bilac deixou um sentimento de grande tristeza no Brasil. Por todo o país surgiram iniciativas de homenagens ao finado poeta e, em São Paulo, foi pensada a ideia de erigir um monumento a sua pessoa.
A iniciativa de um monumento a Olavo Bilac veio em 1919 através da Liga Nacionalista, composta principalmente por estudantes e professores da Faculdade de Direito, além de integrantes da Faculdade de Medicina e Escola Politécnica. Para tanto, foi escolhido o escultor William Zadig, sueco de origem, que tratou de naquele mesmo ano apresentar sua maquete do projeto:
A Cigarra - 1919
Para começar a esculpir o monumento eram necessárias duas coisas: decidir o local da instalação e custear os custos de William Zadig, que decidiu produzir o monumento no exterior, pela facilidade de matéria prima e preços.
Foi ai que, tal qual aconteceria anos mais tarde com o Monumento a Duque de Caxias, houve grande mobilização pela arrecadação de fundos. Em pouco mais de um ano, com a organização de bailes, peças teatrais pela cidade, espetáculos no Theatro Municipal, além de tômbolas pelas igrejas paulistanas, o dinheiro necessário para o início dos trabalhos foi arrecadado.
Assim, em abril de 1920, lançou-se a pedra fundamental no início da Avenida Paulista, onde ela encontrava-se com a rua Minas Gerais (hoje a área exata é parte do complexo viário da avenida Dr. Arnaldo).
O Estado de S.Paulo 26/04/1920
O Estado de S.Paulo 26/04/1920
Após o lançamento da pedra fundamental, William Zadig embarcarcou para Copenhague, na Dinamarca, onde iria fundir o bronze e esculpir o monumento, na fundição Aug & Jensen. Durante sua estadia de pouco mais de um ano na Europa, Zadig chegou a enviar fotografias de seu trabalho em andamento, como esta abaixo onde ele está ao lado da obra Beijo Eterno.
Divulgação
Ao regressar ao Brasil em meados de 1922, foi preciso uma autorização especial da então Presidência do Estado para que o conjunto escultórico fosse liberado na alfândega sem demora ou restrições. Uma vez liberada a saída do Porto de Santos, as esculturas subiram para a capital.
Em agosto a montagem do conjunto iniciou-se e o local foi cercado por tapumes, para deixar o artista trabalhar e manter o público curioso.
A data escolhida para a inauguração foi o 7 de setembro de 1922, data que celebrava um século da Independência do Brasil, e que foi palco de várias inaugurações e festejos pela cidade. Alguns dias antes deste grande dia os tapumes foram removidos e o monumento ficou coberto com um grande pano branco.
Às 11 horas em ponto daquele dia, Lúcio Cintra do Prado, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, juntamente com as figuras do prefeito municipal e o presidente do Estado, inaugurou o monumento cuja festa contou com uma imensa multidão e grandes festividades.
Inauguração - clique na foto para ampliar
Inauguração – clique na foto para ampliar
O grande monumento era composto no total de cinco partes espalhadas pela estrutura onde ela foi instalada. William Zadig fez representar na obra alguns dos principais trabalhos de Olavo Bilac.
No alto do monumento a figura do célebre poeta. À esquerda o bandeirante Fernão Paes Leme de “O Caçador de Esmeraldas”, ao centro duas obras, primeiro o pensador representando o poema “Tarde” e em seguida“Pátria e Família” representado por uma família junto a um militar brasileiro e a bandeira nacional. Na direita, a talvez mais conhecida parte do monumento “Idílio ou Beijo Eterno”, representado por um francês e uma índia se beijando, ambos nus.
A foto abaixo, de 1923, é uma das raras imagens que mostra o monumento na sua forma original, ou seja, com todas as esculturas juntas:
clique na foto para ampliar
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Uma vez inaugurada, era nítido que a obra não teria “vida fácil”. Tão logo passaram as comemorações do 7 de Setembro surgiram as primeiras reclamações sobre ela, com críticas à nudez de “Beijo Eterno” e ao local escolhido para o monumento que, segundo os reclamantes, causava problemas no trânsito (isso entre os anos 1920 e 1930…).
As reclamações persistiram e foram ganhando cada vez mais coro, até que em 1936, quando devido a obras viárias, o monumento foi removido e desmontado e enviado para um depósito da prefeitura. Alguns anos mais tarde, aos poucos, as obras foram surgindo – já separadas – em outros logradouros de São Paulo.
Os dados da fundição encontram-se na escultura "Beijo Eterno"
Os dados da fundição encontram-se na escultura “Beijo Eterno”
O busto de Olavo Bilac foi para a Faculdade de Direito da USP e Fernão Paes Leme foi para o bairro de Pinheiros, enquanto as demais partes permaneceram guardadas até 1956, quando o prefeito Jânio Quadros“redescobre” as esculturas guardadas e manda reinstalar. A “Pátria e Família” para a avenida Celso Garcia, ao lado de uma unidade fabril da Santista e o “Beijo Eterno” para o Largo do Cambuci, um de seus redutos eleitorais.
Divulgação
“Beijo Eterno” porém não foi bem recebido pelos moradores locais e logo acabou sendo mais uma vez removido.
A obra mais bela de William Zadig ficaria mais alguns anos nos depósitos até 1966, quando o então prefeito Faria Lima manda reinstalá-la na entrada do túnel 9 de Julho (lado do centro)como mostra a fotografia ao lado.
Mais uma vez a escultura fica no centro da polêmica por conta da nudez e é alvo de alguns vereadores paulistanos, que acusam o monumento de “obra do dêmonio, um verdadeiro escândalo” e pedem a retirada da estátua da entrada do túnel.
Temendo que a obra mais uma vez fosse parar em um depósito, estudantes do Centro Acadêmico XI de Agosto – que no passado já se mobilizaram pela criação da obra – resolveram sequestrá-la e levá-la para a frente da Faculdade de Direito. Uma vez instalada por eles no Largo São Francisco, ela se encontra até hoje por lá. Em paz.
A escultura "Beijo Eterno: em seu local atual
A escultura “Beijo Eterno: em seu local atual
ONDE E ESTÃO AS DEMAIS PARTES DO MONUMENTO ATUALMENTE ?
Nós fomos atrás de verificar onde estão e qual o estado de conservação de todas as demais partes do monumento original a Olavo Bilac. E trazemos (quase) todos eles aqui para vocês.
O quase se deve a duas partes da obra inicial que não são citadas e nem encontradas em lugar nenhum. São as duas mostradas na imagem a abaixo:
Divulgação
É bem possível que estas duas partes estejam na reserva técnica do Departamento de Patrimônio Histórico de São Paulo (DPH), como também é possível que sequer existam mais.
A primeira (fig.1) é a imagem de um garoto escalando o monumento em direção a Olavo Bilac com uma coroa de louros em uma das mãos. Já a segunda (fig.2) parece ser parte da obra “Pátria e Família” que acabou não sendo colocada na nova instalação. Devido a distância da imagem de 1923 e da inexistência de outras imagens mais próximas, é impossível para nós identificar o que se trata. Apenas constatamos que parece ser a figura de um homem de chapéu.
MONUMENTO A OLAVO BILAC
Foto: Douglas Nascimento / São Paulo Antiga
O que era uma homenagem monumental, tornou-se um mero busto. Embora bem conservada, a escultura de Olavo Bilac hoje é observada por poucas pessoas, uma vez que está instalada em uma área cercada de grades e arames farpados que pertence ao Comando Militar do Sudeste (II Exército) na avenida Sargento Mário Kozel Filho, no Ibirapuera.
A distância não permite que a placa de mármore – instalada em 1988 pelo então prefeito Jânio Quadros, na ocasião da mudança dela da Faculdade de Direito para este local – seja lida por quem passa pela calçada (veja-a na foto abaixo):
Placa de maio de 1988
Placa de maio de 1988
O CAÇADOR DE ESMERALDAS:
Foto: Douglas Nascimento / São Paulo Antiga
Pouco conhecida pelos paulistanos a escultura “Caçador de Esmeraldas”, que representa Fernão Dias Paes Leme, está instalada nos jardins de uma escola cujo nome é também uma homenagem ao bandeirante. A Escola Estadual Fernão Dias Paes Leme fica no número 420 da avenida Pedroso de Morais e pode ser fotografada.
De todos os alunos que conversamos no dia em que fomos fotografar (cerca de 10), nenhum soube dizer o que a estátua representava ou se era parte de outro monumento. Seria bem interessante se professores de história desta unidade da rede estadual dessem uma aula a seus alunos diante da estátua.
Um dos motivos da instalação da obra ali é que o local teria sido no passado o Sítio Capão, que pertenceu ao bandeirante.
PÁTRIA E FAMÍLIA:
Foto: Douglas Nascimento / São Paulo Antiga
Quem passa pela avenida Celso Garcia não imagina que esta escultura já teve outro endereço nesta mesma avenida. Ela inicialmente estava instalada na esquina com a avenida Salim Farah Maluf, bem ao lado de uma antiga fábrica e onde hoje encontra-se um hipermercado.
Quando a fábrica foi demolida em 1999, o monumento foi transferido para a Praça José Moreno, altura do número 4200 da mesma Celso Garcia, bem ao lado da Biblioteca Cassiano Ricardo. A escultura está sempre limpa e bem conservada.
TARDE
Foto: Douglas Nascimento / São Paulo Antiga
clique na foto para ampliar
A mais bem cuidada escultura que pertenceu ao conjunto original do Monumento a Olavo Bilac, é também a menos conhecida delas. Desde 1988 instalada no Parque da Independência, a estátua fica bem escondida em uma das alamedas laterais do parque.
Para encontrá-la é preciso subir a escadaria que fica no mesmo lado da Casa do Grito (porém nas proximidades do Museu Paulista). É um excelente lugar para ler um livro ou relaxar, mas a estátua em si merecia um lugar melhor, com mais destaque, em outro ponto do parque ou do próprio bairro do Ipiranga.
Chamado por muitos de “Pensador”, a figura do homem na escultura está, na verdade, melancólico após apreciar o livro “Tarde” obra póstuma de Olavo Bilac, com poemas que apresentam um clima de declínio da vida e crepúsculo. O livro encontra-se esculpido no topo de uma pilha de outros livros, bem ao lado do homem nu.
Assinatura de William Zadig  na obra "Caçador de Esmeraldas"
Assinatura de William Zadig na obra “Caçador de Esmeraldas”
Tanto tempo depois de sua inauguração, fica a pergunta: estaria hoje Olavo Bilac satisfeito com esta homenagem ? Desconheço outro caso de obra de arte pública que foi fragmentada em várias partes e espalhada por vários cantos. Pela sua contribuição à literatura brasileira e pela nossa pátria, Bilac deveria merecer mais respeito.
Quando vemos os monumentos separados e bem conservados isto é um alento, levando-se em consideração o péssimo estado de outras obras pela cidade. Mas seria interessante se em cada uma das obras,  houvesse uma explicação dizendo ser aquela um fragmento de uma homenagem inicialmente única.

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