quarta-feira, 8 de julho de 2015



Morar na região central de São Paulo requer conviver cada vez mais com um cotidiano inusitado. Cheio de significados urbanos, a vida no centro é mais prático para alguns e ruim para outros. O vai e vem de carros, movimento intenso, poluição são partes da história dos residentes desta área e os locais de lazer tornam-se raros, quase nulos.
Apesar de nos referirmos aos dias atuais, vamos relacionar ao cotidiano infantil na década de 70. Tem situações que a história não muda, persiste em nadar contra a corrente do progresso.
Projeto do Recanto Monteiro Lobato, apresentado pela prefeitura em 1977
Projeto do Recanto Monteiro Lobato, apresentado pela prefeitura em 1977
O então prefeito Olavo Setúbal (1975 – 1979) tinha como meta a requalificação do centro de São Paulo, uma vez que a região já se encontrava bastante degradada já na década de 70.
Várias obras já tinham sido finalizadas tais como a implantação dos calçadões que vigoram até hoje e a restruturação da Praça da Sé com a demolição do Edifício Mendes Caldeira.
Uma cidade em constante transformação com mais cimento e menos verde onde os moradores ficavam ilhados em meio à selva de pedra. Quem saia perdendo eram as crianças vivendo em prédios onde a grande maioria das vezes não possuía espaços para a recreação. Relatos da época afirmam que algumas crianças fugiam dos apartamentos para brincar nas ruas ou alguma praça.
Tendo em vista esta situação, Olavo Setúbal resolveu fazer algo inovador. Inaugura em 15 de julho de 1978 o Recanto Monteiro Lobato.
Na foto o Recanto Monteiro Lobato visto por dois ângulos distintos (clique para ampliar)
Na foto o Recanto Monteiro Lobato visto por dois ângulos distintos (clique para ampliar)
Justa homenagem a um dos grandes escritores brasileiros, o Recanto Monteiro Lobato foi um parque de recreação situado na rua Conselheiro Crispiniano, próximo da avenida São João. Tinha como meta a qualidade de vida das crianças levando brincadeiras, tranquilidade, e principalmente o espaço, tão escasso para moradores da região central.
Imprescindível ressaltar que para o Recanto sair do papel e tornar-se realidade, foi necessária a demolição do casarão que antes ocupava o espaço. Projetado por Ramos de Azevedo em 1893, a residência de José Paulino também abrigou o Quartel General do 2º Exército a partir de 1918. Em 1968 a base do Exército saiu do antigo casarão que ficou desocupado até 1977 quando foi demolido.
Casarão de José Paulino
Casarão de José Paulino
Voltando ao Recanto Monteiro Lobato, o espaço possuía um grande playground, pista para velocípede, uma ampla caixa de areia, quiosques, coreto, banheiros e bebedouros, além de floreiras e algumas palmeiras imperiais, as únicas sobreviventes da época do Palacete. Ao todo três mil metros quadrados de pura diversão para a garotada.
Mais do que um espaço de recreação, o Recanto ganhou visibilidade e começou a ter função cultural. Apresentações de grupos de teatro tornaram-se constantes, inclusive grupos oriundos da Argentina e do Uruguai. O Recanto Monteiro Lobato começou a nos dar uma visão panorâmica da pluralidade cultural que é uma metrópole.
Vista área do recanto
Vista área do recanto
O Recanto tinha como vizinho o antigo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, referência de ensino da arte musical em São Paulo. Em 1982 esta tradicional instituição passou por uma grande reforma e a entrada principal passou a ser por dentro do Recanto. O projeto original do restauro previa um anfiteatro a céu aberto ao lado do Recanto Monteiro Lobato, porém nunca saiu do papel.
O que foi alegria garantida para muitas crianças, começou a se tornar um problema para o poder publico. Com o êxodo de várias famílias para outros bairros, infelizmente o local começou a ficar em desuso perdendo a sua funcionalidade. Após ser fechado, em meados da década de 90, o local teve outra utilidade: coletor geral de lixo da região central.
De espaço de lazer para espaço de coleta. No lugar de brinquedos, caçambas de lixo. Este novo espaço ficou por bom tempo tendo esta finalidade, longe da nostalgia dos adultos e alegrias dos pequenos.
Depois de mais de 10 anos com o espaço fechado, o terreno que abrigou o Recanto Monteiro Lobato finalmente voltou para os braços da população. Tornou-se uma alça de acesso para a Praça das Artes.
a área do Recanto Monteiro Lobato atualmente (clique na foto para ampliar)
a área do Recanto Monteiro Lobato atualmente (clique na foto para ampliar)
Inaugurada em 2012, a Praça das Artes é um marco da arquitetura paulistana. Arquitetura moderna e antiga se misturam, embalada pelo cotidiano da metrópole.
Brinquedos e brincadeiras desapareceram do local. Nada mais lembra o saudoso Recanto Monteiro Lobato que por muitos anos fez a alegria da criançada. Os mais observadores vão reparar num pequeno detalhe que ainda persiste.
clique na foto para ampliar
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A pintura na parede que margeia o antigo Cine Marrocos ainda possui desenhos geométricos é da época da inauguração. Assinado pelo arquiteto Maurício Fridman, ela prossegue como uma forma de tentar viabilizar a história do Recanto Monteiro Lobato para as futuras gerações.
Vivemos numa época que o antigo é atrasado, demolição é sinônimo de evolução. Onde o passado não é respeitado e a história é esquecida. Devemos lembrar que Monteiro Lobato foi um grande lutador pela cultura genuinamente brasileira, mas a metrópole pertence ao progresso e passa por cima de qualquer homenagem.
Veja mais fotos (clique para ampliar):
Foto: Glaucia Garcia de Carvalho
Foto: Glaucia Garcia de Carvalho
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