sexta-feira, 10 de julho de 2015


Os Fantasmas de 'Tiro Pichón'

Construído durante o reinado de Afonso XII, em plena serra de aracena, Espanha, o edifício “tiro pichón” se destaca por sua grandiosidade e por estranhos fenômenos paranormais produzidos em seu interior.

Por José Manuel Garcia Bautista(*)
Tradução: Paulo Soriano
Texto publicado originariamente na  Revista Digital Angulo 13.
(www.angulo13.com)
Nas imediações do município onubense (1)  de Jabugo (2),  erige-se,  orgulhoso e desafiante, o imponente edifício conhecido como “Tiro Pichón”. De suas janelas se contempla,  quase a vista de pássaro, a região banhada pelo rio Múrtigas. E, ao mesmo tempo, avista-se, dos municípios circunvizinhos, com o respeito e o medo  inspirados pelas  histórias  contadas sobre o  que ocorre em seu  interior,   o perfil recortado daquela  construção.

De arquitetura regionalista andaluz, deduz-se, à simples vista, que, por trás do desenho desse edifício se esconde a mão do insigne arquiteto servilhano Aníbal González (1876-1929).  González, que  foi o arquiteto-chefe das obras realizadas em Sevilha por ocasião da exposição ibero-americana de 1929, construiu o edifício em princípios do séc. XX.

Todavia, como explicar a existência de um edifício tão suntuoso em pela serra onubense?  Sua construção responde à estratégia  do primeiro Marquês de Aracena (3), D. Javier Sáchez-Dalp, que se propunha,  desde o início,  a elevar a categoria social de seu marquesado, convertendo-o  em lugar de recreio e descanso da mais alta sociedade servilhana.  Até 1833, Aracena fazia parte da província de Servilha e sua separação e posterior incorporação à província de Huelva podia fazer diminuir  o encanto para as antigas  famílias  hispalenses (4). Para evitá-lo, o Marquês de Aracena dotou as suas terras de construções de elevado valor artístico, contando  com a colaboração do arquiteto Aníbal Gonzáles, com o qual, além do mais,  tinha parentesco.

O Marquês, em seu afã de engrandecer  Aracena, tornando-o um lugar concorrido para a nata da sociedade da época,  chegou, inclusive, a filmar um documentário com a produtora Film Dalp Nararí, com o nome “La Sierra  de Aracena” (A Serra de Aracena), em 1928.


O “Tiro de Pichón” (“Tiro-ao-Pombo”) foi projetado por Aníbal González,  pensando-se  na família do monarca Afonso XIII.  A família real já conhecia bastante a região. De fato,  a D. Afonso e Dona Vitória Eugênia coube  inaugurar as Grutas de las Maravillas (Grutas das Maravilhas) em 1915, repetindo a visita  em 1929.  A família real demostrava um afeto especial àquela região. Não devemos esquecer a presença em Huelva de importantes membros da sociedade inglesa vitoriana, por conta das exportações mineiras do Rio Tinto e a origem inglesa da rainha Vitoria Eugênia de Battenberg.

À vista do interesse dos monarcas pela região, Sanchez-Dalp não hesitou  em construir para eles um pavilhão de caça, no qual  o monarca e sua família passaram longas temporadas de verão praticando o tiro-ao-pombo (5), uma moda procedente da Europa e que causava rebuliço entre as classes mais abastadas desde o séc. XIX.  Esta prática, a meio caminho entre a caça e o esporte,  tinha tanto prestígio que as sociedades de tiro-ao-pombo chegavam a conseguir a distinção de Real Sociedade de Tiro-ao-Pombo, como é o caso de Granada.

A família real encontrou neste rincão onubense um espaço para o descanso, especialmente as infantas D. Beatriz e D. Cristina, até que, em 1931, após a proclamação da Segunda República Espanhola, tiveram que se exilar em Roma.
 

Hoje em dia, o proprietário deste edifício é a Junta  de Servilha (6). É que, para sua construção, o Marquês de Aracena pediu um empréstimo ao governo servilhano. Com o passar dos anos, o crédito  não foi satisfeito e a Junta  de Servilha exerceu o seu direito, ficando com a titularidade do bem.

Nos anos posteriores,  o edifício sofreu reformas, sendo a de maior importância a ampliação feita em 1941.  Durante anos, o “Tiro de Pichón” recebeu grupos de estudantes que escolhiam Jabugo para seus acampamentos de verão. Na região, diz-se que o prédio funcionou como hospital ou sanatório. Inclusive, muitas pessoas o conhecem como “o manicômio de Jabugo”, embora este seja um dado que, na data de hoje, ainda está por ser confirmado.

É o investigador e historiador local Jorge Medina Barnabé (autor de várias obras publicadas pela Fundación Lara) quem primeiro nos pôs em contato com os antecedentes do lugar: “Durante a pesquisa  de um de meus livros sobre a Serra de Aracena, deparei-me com algo curioso e inquietante... Em Jagurgo me falaram de um lugar, do “Manicômio”, no qual -  diferentes vizinhos me relataram  - tem-se produzido  toda sorte de fenômenos misteriosos, desde a visão de seres ou silhuetas luminosas em suas janelas até a gravação em seu interior de psicofonias e ruídos estranhos. A verdade é que, uma vez no lugar,  e em seu interior, pude comprovar que, na verdade, ali ninguém está sozinho... Continuamente, você se sente vigiado, assediado, inclusive você pode escutar que vozes de outros tempos o chamam em um lugar que você tem a certeza de estar sozinho.

“Em minha experiência ali foi singular. Escutar: “Jorge, chegue aqui”, clara e definitivamente, foi motivo suficiente par fazer-me regressar sobre os meus passos e sair dali. Tão interessante isto me pareceu que decidir incluir uma resenha em meu livro. É um lugar de meter medo”. Com tais afirmações, o  investigador não pode menos que sentir curiosidade e acercar-se do lugar para informar-se devidamente sobre os fenômenos relatados e afirmados pelo historiador.

Cruzando a sempre bela Sierra Huelva, a quase 120 Km da capital hispalense, encontramos,  majestoso e arrojado, o edifício “Tiro de Pichón”.   A localidade  onubense de Jabugo ascende das fraldas da Serra e coroa,   com  mil e uma tradições obtidas com esforço e sacrifício, o alto da colina. E os seus habitantes –  receosos de câmaras e gravadores -  permitem, quebrando o gelo da desconfiança, a narração da história e estórias do lugar. Ángel Rodríguez relatou, dentre outras coisas,  o seguinte: “Nos tempos de meu avô, o rei Afonso XII  fez  uma visita à Serra e se deteve na “Gruta das Maravilhas”; fez, então, a observação de quão belas e ilídicas seriam as cercanias do  local  para um pavilhão de caça.  Em pouco,  começou-se a construí-lo, mas, com o tempo, e a Guerra Civil, o edifício passou a ter muito usos: foi um sanatório, hospício-colégio e, inclusive, albergou salas para doentes mentais.  Em seu interior se escutavam-se gemidos que arrepiavam os pêlos e, dizem, registraram-se ali  falecimentos.  Em épocas modernas os jovens têm acorrido ao edifício atraídos por histórias de fantasmas e a verdade é que eles têm saído de lá aterrorizados.

“Dizem que lá dentro reside o fantasma de um velho guarda que em vida prometeu guardar e vigiar para  sempre o edifício, mantendo a  sua promessa até o dia de sua morte; agora, muitos têm visto o seu espectro no interior,  e têm podido comprovar como nesse edifício há coisas que não pertencem a este mundo...”. E não finalizou aí  Ángel Rodríguez em seu relato.  Ele prosseguiu,  dizendo-nos: “Os filhos de meu compadre se acercaram ali, certo dia, para fazer a brincadeira do copo,  e tiveram um encontro mais que aterrorizante. Ao final de um corredor,  algo começou a aparecer a eles: era um fantasma. Eles passaram muito mal.  Certamente, eles brincaram  com o que não deviam num lugar em que o povo bem sabe que não se deve  brincar jamais.”  E tão misteriosamente  nos deixou com a impressão de que um bom vizinho sabe mais pelo que cala  do que  por aquilo que afirma.

Prosseguindo em nossa tarefa de colher depoimentos, localizamos, na vizinha localidade de Aracena,  um  garoto que, como tantos outros, movido pela curiosidade e pela atração ao desconhecido,  acercara-se de “Tiro Pichón” para tratar de desentranhar seus mistérios através da tábua ouija.  Enrique Santos nos relatou a sua experiência: “Foi  num entardecer que decidimos ir consultar a tábua ouija; já nos havíamos antes metido em um cemitério e, em outro dias, na  ermida, mas um amigo nos comentou que tinha escutado no bar, em que trabalhava,  que um dos clientes habituais havia visto, na noite anterior, uma silhueta luminosa, como uma pessoa, mas que irradiava luz, passeando pelas janelas dianteiras do edifício; dissera que era um fantasma e, assim, decidimos  ver se nós nos contactávamos com ele.  Chegamos e nos postamos no sótão. Ali, afora  os pássaros, nada mais havia. Pusemos velas e começamos as invocações. Nada parecia acontecer, mas, ao cabo de uma hora mais ou menos, de algum lugar do sótão veio  algo como o som de uma caixa de música.  Todos nos olhamos, desconfiados. E, pouco depois, algo começou a subir as escadas.  Sentia-se perfeitamente: era um passo curto, pausado, mas ininterrupto.  Aproximava-se cada vez mais, até que se deteve...

“Ficamos nervosos, porque era a saída mais próxima.  E, ao final, daquele quarto  começou a desenhar-se a forma de uma pessoa, pouco a pouco, surgindo do nada. E nos olhava severamente. Não quisemos dar tempo a que outras coisas acontecessem e saímos correndo dali. Naquela mesma noite queimamos a tábua oiuja; foi o bastante; esse edifício é mal-assombrado,”

Para estes investigadores, foram meses de ir e vir a Jabugo e Aracena, de colher depoimentos, narrações e vítimas do mistério que encerra o edifício, de uma contínua busca de informação, de documentação, de gravações, de experiências em  seu interior e da busca ao desconhecido. E, quiçá, o mistério joga, às vezes, com cartas marcadas: quando nos dispomos a arquivar a investigação por falta de  provas outras que não os sempre interessantes depoimentos e experiências aterradoras das testemunhas, algo veio a alterar os rumos  e a enriquecer a investigação no edifício de “Tiro Pichón”.

Era uma fria tarde de novembro. Estávamos há mais de seis meses envolvidos nesta apaixonante história.  Chegamos ao lugar para levantar novas provas e experiências antes da chegada de dezembro e  o clima estava por recrudescer. As coisas decorriam normalmente: como em tantas outras ocasiões,  dispusemos os equipamentos para  garantir  a investigação e a veracidade de tudo o quanto pudéssemos gravar e/ou captar: detectores de presença em quinze pontos do edifício; alarmes de continuidade  a laser;  vários equipamentos de informática portáteis registrando, via webcam, com visão noturna e áudio, o que poderia ocorrer;  nove gravadores digitais colocados em outros tantos lugares para captar áudios e psicofonias; dois velhos e históricos (no mundo das psicofonias) gravadores Phillips com uns microfones  magníficos; um gravador de amplo espectro e duas vídeos-câmaras,  que iam registrando tudo com o que aquela  noite de investigação se deparava.

Disposto todo  o equipamento no sótão onde se realizaram as sessões de ouija, transcorridas já algumas horas desde a nossa chegada, em plena ala construída nos finais dos anos vinte, começamos a sentir aquilo que nos haviam relatado: uma melodia como a pertencente a uma caixinha de música. Surpresos,  buscamos a procedência daquele som tão peculiar, sem encontrar nada que lhe pudesse indicar a  origem. Em nossa caminhada pelo edifício, começamos a nos aproximar da ala construída em 1941: ali a noite começou a cair e entramos em uma ampla sala na qual nos relataram que se escutavam vozes e lamentos de crianças, talvez em recordação a antigas e passadas épocas.

Atrás de nos uns passos, saídos do nada, originados por algo ou alguém invisível que não conseguíamos vislumbrar porque, talvez, não era deste mundo: uma sombra ou silhueta que definitivamente observamos e nos seguia... e uma consulta de José Manuel Garcia Bautista a seus dois companheiros: “Estamos a sós no edifício?”.  Após revisar  toda a gravação, no momento em que o pesquisador  servilhano fez tal pergunta, uma voz  quase além-tumulo responde psicofonicamente: “DO-EN-TIO” - aquela voz ou resposta não audível nesse momento cedeu lugar a uma série de raps, de sons delatores  de que o mistério se encontrava naquele edifício, uma série de sons que nos fazia penetrar nas  áreas  dos quartos, um amplo corredor para cujas laterais convergiam as saídas dos múltiplos quartos, múltiplos quartos ainda com múltiplas camas, com colchões e travesseiros, como se o tempo não tivesse transcorrido e algo havia feito com  que fossem abandonados  precipitadamente.

Naquele corredor, Francisco Márquez nos havia relatado: “É um lugar maldito; num domingo, ao meio-dia, ali entrei e senti  algo como um choro, uma queixa lastimosa. Acreditei que era algum gato ferido ou preso e fui ver se podia fazer alguma coisa. Quando entrei naquele lugar, as portas começaram a abrir e fechar como se alguem as fechasse e  as abrisse, mas eu estava sozinho ali...

“Travesseiros começaram a cair sobre mim; atiravam-se-me travesseiros  e eu não via quem estava ali, mas eu estava só. Foram os piores momentos de minha vida...” Naquele mesmo corredor e naquele mesmo momento, o estrondo de uma porta fechando-se  nos esmagou: o que aconteceu? Ainda buscamos respostas... Novamente na revisão de nossas gravações uma voz psicofônica nos parecia chamar: “VENHAM”; chamava-nos; atraía-nos e, como comentava nosso companheiro, o jornalista Sérgio Moreno: “Era como se a casa nos tivesse admitido em seu interior, mas para ser ela própria, a casa, aquele quem nos investigava e nós, os que investigavam o seu interior, éramos como parte de um jogo macabro, em que o investigador tornava-se investigado...”


Isso porque  houve momentos de tensão: seguindo-nos, algo arrastava seus pés;  tossia;  as bússolas não encontravam seu rumo, haviam perdido o Norte;  as baterias das câmaras e lanternas vieram abaixo e a disposição do edifício não parecia a mesma...  A escada principal não se encontrava onde devia estar e tudo parecia estranho e alheio a nós e ao caminho traçado entre o ranger de vidros aos nossos pés. Em um determinado local, Jordi Fernández tira uma fotografia: ao revisá-la, uma estranha face parece nos observar.  O velho guarda cumprindo sua promessa, agora eterna? Na área das cozinhas, algo golpeia e toca a cabeça deste último investigador: entre nós havia alguém.  À nossa retaguarda algo provocava um som de subir e descer  escadas freneticamente,  e novamente os raps começaram a sentir-se, coincidindo com uma brusca queda de temperatura.

Aquela  eterna rota  pelas dependências do edifício fizera-nos tomar consciência de que realmente algo de estranho, de desconhecido ou de paranormal habita o edifício de “Tiro Pichón”,  na localidade onubense de Jabugo; algo que desafia a lógica e transcende em muito o que é conhecido. É a constatação de que os depoimentos das testemunhas sobre suas experiências no interior do edifício são verdadeiros e, tal como nossas câmaras gravaram para  Localia TV Servilha,   naquele edifício ocorrem fenômenos que escapam a toda lógica.  Como em um estranho jogo, o edifício aceita as investigações;  porém,  todo aquele que penetre em seu interior deve fazer sua a advertência de que está exposto a ser investigado por aquilo que habita os seus grossos muros.
 

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