Santapaula Iate Clube
Por Glaucia Garcia — 02/07/2015
Um marco da arquitetura brutalista paulista agoniza na Represa do Guarapiranga.
Muitas pessoas simplificam a imagem da cidade de São Paulo como a notável “Selva de Pedra”. Pouco verde, muito concreto, muita poluição, poucos pássaros. E os edifícios paulistanos tem um espaço especial na história do desenvolvimento da nossa cidade.
Da arquitetura colonial paulista passando pelas mãos de Bento de Oliveira Lima, o eclético de Ramos de Azevedo e os grandes prédios com fachada de vidro que hoje rasgam avenidas como a Eng. Luiz Carlos Berrini, expressam a história da cidade. Em cada prédio, um arquiteto e nisso São Paulo é o berço do Brasil.
E entre tantas formas arquitetônicas que São Paulo nos proporciona, tem uma em especial e peculiar: o Brutalismo Paulista.
Não precisa ficar assustado com esse nome, porque de brutal não tem nada. É a forma mais ampla e nítida que a arquitetura pode nos proporcionar. O Brutalismo coloca os elementos estruturais à vista da população. O concreto armado, vigas e pilares ficam a mostra, optando por deixar aparente e assim manifestando o rigor geométrico que a arquitetura possui.
O Brutalismo não nasceu em São Paulo. Foi uma tendência arquitetônica europeia que se popularizou nas décadas de 50 a 70 em forma de casas populares, fábricas e departamentos públicos.
Um dos mentores do Brutalismo foi o arquiteto e urbanista franco-suíço Le Corbusier que chegou a visitar as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e elaborou planos diretores para essas urbes.
Esta tendência arquitetônica influenciou vários arquitetos brasileiros que residiam em São Paulo como Ruy Ohtake, Paulo Mendes da Rocha e João Batista Vilanova Artigas, este último, por sua vez, que em junho de 2015 estaria completando seu centenário de nascimento.
Nascido em Curitiba, Vilanova Artigas graduou-se pela Escola Politécnica (USP) e frequentou o Grupo Santa Helena. Autor de vários projetos importantes e de impacto sociológico, Artigas também foi criador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU – USP). Inaugurado em 1969, o prédio é um dos melhores exemplos de arquitetura brutalista.
O impacto do brutalismo paulista é visível na sociedade, mas passa despercebido por várias pessoas. Exemplos não faltam tal como a Estação Armênia do Metrô projetada por Marcello Fragelli em 1968, o Centro Cultural São Paulo elaborado pelos arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles em 1982 e o MASP por Lina Bo Bardi de 1968.
O que poucas pessoas sabem é que a primeira manifestação do brutalismo paulista ainda está de pé, a Garagem de Barcos do Clube Santa Paula, mais conhecido como o Santapaula Iate Clube (sim, santapaula escrito tudo junto).
Localizada às margens da represa do Guarapiranga, na avenida Atlântica, a Garagem de Barcos Santapaula foi projetada pelos arquitetos João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi. Sua construção foi de 1961 a 1964.
O projeto original era para ser um conjunto de prédios de hotéis. A obra foi iniciada na década de 50, porém abandonada pelo antigo proprietário. Em 1961, Artigas e Cascaldi assumem a reforma do complexo e a construção do que viria a ser o marco na arquitetura brasileira, o Iate Clube Santa Paula.
Conhecido também como Iate Clube 61, este complexo mudou a face do então pacato bairro de Interlagos que estava sendo loteado e ganhando a atenção de empreendedores.
Adelino Borelli, presidente da Santapaula Melhoramentos uma empresa de administração, loteamento e imobiliária, viu a capacidade que Interlagos possuía e que poderia beneficiar o lazer dos paulistanos. A represa de Guarapiranga já era conhecida como a praia de São Paulo, porém sem nenhuma infraestrutura para as pessoas desfrutarem o dia por ali.
Inaugurado em 1964, Santapaula Iate Clube logo se tornou ilustre. O complexo possuía amplas dependências sociais como piscinas, saunas, restaurante, postos de controle, embarcadouro e oficina para os iates, já que era o maior complexo de iate clube da América do Sul. Havia uma extensa estrutura para os associados poderem desfrutar o que a represa de Guarapiranga oferecia.
Um refúgio para quem não queria perder tempo em congestionamentos para o litoral, Santapaula virou opoint da moçada. Em 1973 o cantor Roberto Carlos chegou a se apresentar no Iate Clube arrastando milhares de pessoas.
Santapaula tinha tudo pra ser um sucesso, mas começou a entrar em decadência. Em meados da década 80, o Iate Clube já não era mais o mesmo. Não sabemos efetivamente o motivo do fechamento, mas gradativamente o espaço foi encerrando as suas atividades.
Hoje o marco da arquitetura brutalista está abandonado. Maltratado pela ação do tempo, o antigo clube tem problemas de infiltração que estão em toda parte. As vigas de sustentação estão esfarelando. A ferrugem das estruturas faz parte do cotidiano, além de pichações por toda a parte.
Mesmo com tantas dificuldades, o antigo Santapaula Iate Clube foi tombado em 2007 pelo Conpresp, ou seja, o recinto não pode ser demolido, mas com tantos problemas, é fácil afirmar que algumas partes do complexo correm certo risco de cair.
Em 2010, visando os turistas que viriam a São Paulo em virtude da Copa do Mundo FIFA 2014, foi aprovado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico de São Paulo (Conpresp) o projeto de restauro do complexo.
O Santapaula Iate Clube seria inteiramente reformado para dar lugar a um complexo hoteleiro e centro de convenções.
Passado quatro anos da aprovação pelo Conpresp e um ano da Copa do Mundo, nada foi feito por ali. O custo previsto apenas para a primeira fase do audacioso projeto seria de R$10 milhões. O proprietário do local é um grupo de empresas do ramo têxtil.
Que o futuro seja generoso com este marco do brutalismo paulista.
O CENTENÁRIO DE ARTIGAS
Se estivesse vivo João Batista Vilanova Artigas teria completado 100 anos em junho de 2015. Estão previstas várias comemorações como lançamento de documentário, livros e uma exposição sobre sua trajetória.
Artigas merece mais do que isso. Merece que suas obras sejam restauradas e respeitadas pela população e principalmente pelo poder público. O Iate Clube Santapaula está aguardando por este momento.
Esperamos que isto não demore a chegar.
Veja mais fotos do Santapaula Iate Clube (clique na foto para ampliar):
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